quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

O JORNAL QUE EMBRULHA A CARNE... E O REI

Foi encantador ver Fátima Bernardes misturar jornalismo com salsichas, linguiças e frangos e ainda ter de explicar se vêm com ou sem hormônios e conservantes. Tocante ouvir a jornalista radiante por ter trocado a profissão por mais um programa de auditório onde ela dança, pergunta, canta, ri muito e informa pouco. Tudo no intervalo do Fantástico de domingo (23/2) e nos dias subsequentes. No anúncio, ela diz que gostou muito de ter substituído o “boa noite” pelo “bom dia”, mas ficou no ar se gostou de substituir notícias por embutidos como garota propaganda da Seara. Ela dá um sorriso ao lado de sobrecoxas e cortes de frango no anúncio da última edição de Veja – que não cita a jornalista na matéria da página 73 sobre “o cara do bife”
Não, a cara que aparece na reportagem de Veja não é da apresentadora, mas do “é uma brasa, mora” Roberto Carlos, brasa agora simbolizando as chamas que vão grelhar o churrasco feito com Friboi. Roberto Carlos, o ex-vegetariano convicto, perdeu a convicção e resolveu, assim, por acaso, estrelar a campanha milionária da Friboi ao lado de Tony Ramos (O Globo, 22/2). O comercial produzido pela Conspiração Filmes é igualmente emocionante para quem curtia o Rei, apesar da polêmica da biografia proibida. No filme, Roberto Carlos almoça com família e amigos, mas reclama quando o garçom traz massa apenas para ele – se for Friboi, a carne é dele. Toca o refrão: “Eu voltei, agora pra ficar...”
Tanto a Friboi quanto a Seara das salsichas de Fátima pertencem ao maior produtor de carne do mundo, o grupo JBS, do empresário Joesley Batista, que delirou com os R$ 300 milhões de vendas depois que Tony Ramos assumiu a campanha que vai marcar sua carreira. Nunca mais rosto do ator vai aparecer como o jagunço Riobaldo da minissérie Grande Sertão, Veredas, como o Marcio Ayala da novela Pai Herói, o grego Nikos em Belíssima, o empresário Antenor Cavalcanti de Paraíso Tropical ou o indiano Opash Ananda deCaminho das Índias sem que o símbolo da Friboi pulule na cabeça do público. Mais de 20 peças e alguns filmes, a medalha oficial da Ordem do Rio Branco recebida há cinco anos – e agora, Friboi. Junto com o Roberto Carlos, com quem esteve pela primeira vez aos 16 anos interpretando a dupla Tony e Tom & Jerry, no programa Jovem Guarda.

O que sobrou
Por que as carnes atraíram subitamente Tony, Fátima e Roberto? Fátima foi contratada por 5 milhões de reais, segundo o portal Newtrade (23/2), e o Rei, calcula-se, por quantia igual – o que não é nada para o grupo que no ano passado faturou 100 bilhões de reais.
Pelé vende shampoo contra caspa Head & Shoulders, Luciano Huck vende a TIM, Marília Gabriela vende imóveis – marcas que, como os carros, já não vendem mais os produtos, mas quem os pilota. As ações da Victoria’s Secret caíram 31,5% em 2007 quando Gisela Bündchen deixou a grife de lingeries. As inserções de celebridades têm o poder de Midas. O economista americano Fred Fuld garantiu na revista Forbes que o valor de mercado da Bündchen pode chegar a 445 milhões de dólares (1,05 bilhão de reais), engolindo o de Neymar (77,5 milhões de dólares, 183 milhões de reais).
Tudo bem para as marcas. Mas o que acontece com a marca do ator, da jornalista, do cantor até então romântico fazendo campanha contra carne? Com que cara fica o público?
Numa entrevista à coluna “Direto da Fonte”, de Sonia Racy (Estado de S.Paulo, 16/12/2013), o diretor Luiz Fernando Carvalho reconheceu que a televisão brasileira tem dado claros sinais de esgotamento. E noutra entrevista ao Magazine Littéraire (fevereiro, 2014), o escritor espanhol Eduardo Mendoza desabafa por todos: como está difícil amar a espécie humana... e acreditar nos ídolos.
Por Norma Curi, no Observatório da Imprensa

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